terça-feira, 20 de julho de 2010

Visão.

        
    Não enxergava. Diferente de muitos não pôde ver o mundo antes mesmo de nascer. Apenas o sentia. Quando nasceu, ninguém sabia o que ele tinha, era de um olhar vago e esperançoso. Cresceu, e quando começou a balbuciar poucas palavras foram percebendo as mudanças de olhares. Não tinha um olhar fixo. Começou a mudar seus passos, sempre de cabeça alta. Morava na parte rural da cidade, vindo de uma família pobre e, por isso não tinha condições de se informar sobre o que acontecia. Ele cresceu e começou a estudar. No colégio, era motivo de chacota  e desprezo. Nos intervalos vivia sempre isolado, quieto e pensativo. Não saía brincar com as outras crianças, pois sabia que seria mais uma vez zombado. E assim vivia, todo dia a mesma coisa, sua mesma rotina. Nunca desistiu da vida, sempre batalhando, apesar de todos os problemas. Começou a trabalhar. Não gostava muito do que fazia, mas precisava. Com o pouco que ganhava ajudava sua família, que por sinal era bem grande. Nunca deu trabalho a sua mãe, sempre compreendia tudo. O dia que não tinha o que comer, era o único que não reclamava. O motivo não descobriu até hoje, foi despedido. Deve ter sido pois tinha aquele pequeno problema, que não permitia que ele fosse uma pessoa diferente das outras. Tinha seus planos, vontades e desejos como qualquer um. Lutava para conseguir, mas tinha fé que um dia conseguiria. Esforçado e guerreiro, vivia atrás de um novo emprego. Todo dia andava horas e horas para chegar até a cidade e fazer sua busca. Era cansativo, e demorou até encontrar um novo local de trabalho. Piedosa senhora que o acolheu. Ficou feliz, pois agora recebia mais e gostava do que estava fazendo. Depois de muito tempo trabalhando, conseguiu guardar um pouco de dinheiro e ir ao médico. Sua primeira consulta. Nervoso. Esperando ansiosamente o que o doutor iria falar. Poderia enxergar ou continuaria vivendo sempre assim? Os poucos minutos de consulta pareceram durar horas. Não obtia  logo uma resposta para essa tão grande dúvida de tantos anos. O médico sentou-se e começou a falar, e dentre essas palavras que ele ouviu, duas bastaram para ele abrir um grande sorriso. Tudo o que ele sempre quis seria realizado na próxima meia hora daquele dia. Havia ocorrido super bem, não houve rejeição, era pouca coisa, e o problema não era tão grave. Voltou para casa, mas ainda não podia ver, teria que esperar mais uma semana até retornar ao médico e ele poder retirar os tampões. O tão esperado dia chegou, ele não aguentava mais de tanta ansiedade. Os objetos foram retirados com cautela de seus olhos e a primeira visão que teve foi de sua mãe, sentada e emocionada. Pequena, magra e com o lenço na cabeça. Foi correndo abraçá-la e observar cada detalhe da sua humildade. Depois disso, foi mais aceito dentre os outros, e foi tratado igualmente. Sua vida havia mudado, porém, não por muito tempo. Foi se cansando das coisas erradas e injustas que via, que desejou a cegueira novamente.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Iniciativa.

    
  Era de família rica. Morava na parte nobre da imensa cidade. Mas apesar disso, sempre foi humilde e nunca ligava para o dinheiro, diferentemente de seus pais. Toda noite na casa em que morava era uma imensa discussão. Seus pais defendiam a luxúria e a riqueza, ela apenas a humildade. Um dia se cansou e decidiu ver como o mundo era lá fora. Ela vagava sozinha pelas ruas escuras da cidade com a esperança de alcançar seu objetivo. Caminhou durante muito tempo e se cansou. Olhava para os lados e sempre via a mesma coisa, automóveis e pessoas correndo, ouvia buzinas e sirenes. Tudo tão rápido, tudo tão desesperador, tudo tão transtornado. Ela estava na solidão, sentada na esquina de uma casa abandonada, queria descansar e dormir um pouco para que no outro dia pudesse continuar sua caminhada. Era Primavera. Raramente sentia uma flor caindo sobre sua cabeça, e sempre que acontecia, a guardava, pois entendia o real valor daquelas pequenas flores. Sonhadora, acreditava encontrar um mundo melhor, um lugar para se viver onde as coisas mais importantes não eram dinheiro, corrupção e ganância, e sim virtudes e sentimentos. "Até quando o mundo se preocupará com o físico e o luxo?" Questionava sempre que fechava os olhos. Queria mudar. Mudar as pessoas, e os modos de pensar. Queria que o mundo se preocupasse com o psíquico e com a humildade. Queria um mundo solidário, um mundo onde não existisse o prazer em ganhar, e a felicidade de colocar o próximo cada vez mais para trás. "Quando iria encontrar? Até quando teria que procurar?". Eram pequenas dúvidas que infelizmente já sabia a resposta. Desistir? Nunca passou pela sua cabeça. Uma palavra que não existia no seu vocabulário era desistir. Mas sozinha conseguiria alcançar esse objetivo? Não. Precisava que outros a ajudassem. Mas cade as pessoas? Tanta gente correndo de um lado para o outro na rua. Cade todo mundo? Era coisa da sua cabeça? É, ela percebeu que quando se tratava de companheirismo todos sumiam em menos de segundos. Começou fazer sua parte. Na rua sempre ajudava quem necessitava. O mundo não havia mudado, mas com pequenos gestos que fazia, o resto já tinha em quem se espelhar e começar fazer também. Mudar o mundo? Nunca conseguiu, mas tomar a iniciativa ela pôde.

domingo, 11 de julho de 2010

Melancolia.


O vento tocava sua pele como se fosse alguém a acariciando. Ela se arrepiava a cada toque. As árvores se manifestavam com seus movimentos vagarosos e assustadores. Ela não sabia para que lado ir, estava assustada e presa naquele mundo. Ela mesma havia criado um mundo para se esconder dos seus problemas, um mundo que só existia para ela, mas que se assustava com as suas próprias fantasias e pensamentos. Ela vivia na solidão, trancada nesse mundo, invadido pelos seus pensamentos, o que a fazia chorar ainda mais. O ar frio tocando seu corpo. Ela gritava. Era um grito quieto, um grito de pavor e desespero e que ninguém era capaz de ouvir. Aquilo ia machucando ainda mais a pequena garota, e a cada dia que se passava sua vontade de sair daquele mundo era menor. Estava acabada e cansada dos seus problemas rodarem em volta da sua cabeça. Ela queria paz! Estava exausta, não aguentava e tudo aceitava. Seus problemas iam aumentando, e sua vontade era de se acabar em lágrimas. Emagrecia, pois seu único alimento era sua tristeza. Se remoía naquilo como se fosse a única coisa que necessitava para viver. Não tinha forças para levantar-se e caminhar. Ficava sentada, encostada em uma das inúmeras árvores que existia lá. Estava perdida no mundo em que ela mesma havia inventado. Escuro e triste. Sua vida estava chegando ao fim, seus olhos não queriam mais se abrir, e ela podia apenas enxergar uma pequena luz bem longe, que pouco a pouco chegava perto, até a dominar inteiramente.